quarta-feira, 6 de abril de 2011

Teia

Caros amigos,
A partir de agora este blog tem im espaço para postagens de artigos científicos. O nome deste espaço é Teia. Para iniciarmos segue um artigo da Dra. Gisneide Nunes Ervedosa.

Personalidade, Espiritualidade e Saúde/Bem-estar

Personality, Spirituality, Health and Well-being

Gisneide Nunes Ervedosa

Resumo: Breve relato de uma investigação de doutorado, onde se tratou de definir os constructos religiosidade e espiritualidade e estudar as relações entre traços de personalidade, indicadores de religiosidade-espiritualidade e saúde/bem-estar, junto a 463 sujeitos divididos em 4 grupos (alunos universitários, católicos praticantes, sujeitos adultos da população geral e peregrinos no Caminho de Santiago de Compostela), cuja maioria se declarou educada dentro da tradição cristã. Os resultados mostraram que os dois constructos são diferentes, mas interrelacionados, que os participantes mais religiosos e espirituais apresentaram pontuação mais alta nos seguintes traços de personalidade: responsabilidade, amabilidade, cooperação e auto-transcendência. Além disso, foi constatado que religiosidade e espiritualidade se associaram com indicadores positivos de saúde e satisfação com a vida. Um estudo qualitativo posterior não somente confirmou o estudo quantitativo, como também conferiu uma visão compreensiva do fenômeno investigado.

Palavras-chave: Personalidade, religião e espiritualidade; religiosidade, espiritualidade e saúde; Peregrinação, personalidade e saúde; investigação psicológica e Caminho de Santiago; Satisfação com a vida; metodologia quantitativa; metodologia qualitativa; medidas de personalidade e saúde; escalas de religiosidade e espiritualidade.

Abstract: Brief statement of doctor degree investigation, where is meant to define the religiosity and spirituality constructs and study the relations between personality traces, religiosity-spirituality indicators and health/wellbeing, among 463 persons divided in 4 groups (college students, practicing Catholics, people originated from the population in general and pilgrims of the Santiago de Compostela path), which majority has declared to have been educated within Christian tradition. The results show that both constructs are different from each other, however, interrelated; that the most religious and spiritual participants presented higher grades in the following personality traces: responsibility, amicability, cooperation and self-transcendence. Further, it has been testified that religiosity and spirituality have associated with the positive indicators of health and satisfaction towards life. A posterior qualitative study has not only confirmed the quantitative study, but, as well, verified a comprehensive vision of the investigated phenomenon.

Key-words: Personality, religion and spirituality; Religiosity, Spirituality and health; Pilgrimage, personality and health; Psychological investigation and Santiago’s way; Satisfaction towards life; Quantitative methodology; Qualitative methodology; Personality and health measures; Religiosity and spirituality scales.




1. Introdução

A história da relação entre Psicologia e Religião coincide com os primórdios da psicologia científica1 e ao conhecê-la, os psicólogos passam a compreender o próprio desenvolvimento dessa ciência de uma forma mais ampla.
As atividades nesse campo cresceram muito nas décadas de 70 e 80. A Divisão 36 da American Psychological Association (APA) fora criada para congregar psicólogos interessados no fenômeno religioso-espiritual, e essa associação vem publicando revistas científicas voltadas para esse tema (e.g., Jones, 1994).
Por sua vez, a Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu, no seu instrumento de mensuração de qualidade de vida, o módulo “religião, espiritualidade e crenças pessoais” (Fleck et al., 2003).
Pargament (1997) defendeu que a psicologia e a religião só teriam a ganhar, caso se encontrassem na realização do objetivo comum a ambas, a busca de resposta ao sofrimento inerente à condição humana, como também, promover a compreensão do ser humano.
Para tanto, os psicólogos deveriam focalizar não o conteúdo de verdade ou legitimação da fé, e sim, os aspectos psíquicos da religião, estudando a significação que tem para o sujeito a sua relação com o que lhe transcende.
A literatura especializada tem apontado para a necessária elucidação de temas tais como: os conceitos de religiosidade e espiritualidade (em sua relação com a personalidade) traços de personalidade relacionados com o fenômeno religioso-espiritual experiência transcendente e a relação entre saúde/bem-estar e o referido fenômeno.
Tem existido uma tradição milenar que relaciona certos traços de personalidade e virtudes com saúde e bem-estar, e as principais religiões do mundo vêm ensinando os caminhos para uma vida melhor (e.g., Solomon, 2002; Williams, 2002; Weil, 2002; Smith, 2001; McCullough e Snyder, 2000).
McFadden (1999) concluiu que os estudos realizados por Clausen (1993) e Howard e Bray (1988) sugeriram que certas características de personalidade associadas ao bem-estar nos adultos jovens, prediziam uma maior inclinação para continuar com as crenças e práticas religiosas, mais tarde na vida. A autora documentou também que a maioria das pesquisas em religião e personalidade tem focalizado vários construtos relacionados ao bem-estar, os quais foram associados positivamente com extroversão e auto-estima e negativamente com traços neuróticos (Diener e Larsen, 1993; Diener, 1984; McCrae e Costa, 1991: McFadden,1999).
Por sua vez, Costa, McCrae e Dembroski (1989: cf. McCrae, 1999) encontraram uma relação negativa entre “Amabilidade” e doença cardíaca, o que poderia ajudar a explicar a ligação entre perdão e saúde (McCrae, 1999).







Tomando a faceta da espiritualidade estudada por Emmons (1999), que ele chamou de metas ou preocupações últimas, poderia ser feito uma ponte entre “Personalidade” e “Religião” (compreendida de forma mais ampla). Esta seria uma hipótese coerente, em especial, quando o estudo da virtude não se restringe ao nível dos traços, mas focaliza as virtudes como metas através das quais se podem vislumbrar o propósito último e o sentido da vida.
Os estudos que vêm trabalhando com essa problemática também têm se ocupado de encontrar uma metodologia adequada e instrumental válido para abordar cientificamente esses temas. A maioria dos estudos têm adotado os procedimentos quantitativos, por favorecerem quantificações precisas, possibilitando explicações mais objetivas sobre o fenômeno religioso-espiritual, e permitindo
verificar relações entre as variáveis estudadas.
Entretando, vários autores vêm reclamando por um modelo teórico-metodológico mais compreensivo e global, por uma metodologia qualitativa. Ao possibilitar a descrição dinâmica do referido fenômeno e portanto, a apreensão de um conceito processual de religiosidade-espiritualidade, essa perspectiva
metodológica poderia ajudar também na interpretação dos resultados. Seria necessário pois, estudar as dimensões da Religião em “movimento”, como recomendaram Zinnbauer et al. (1999).
Considerando o panorama acima, realizou-se um estudo utilizando-se a metodologia complementar, abrangendo, pois ambas perspectivas metodológicas, para atingir os seguintes objetivos: a) descrever o fenômeno religioso-espiritual, analisando seus indicadores ou “componentes”; b) verificar a diferença entre motivação religiosa e motivação espiritual para peregrinar, descrevendo a experiência transcendente, visando-se um exame da polaridade entre religiosidade e espiritualidade observada na literatura; c) verificar a relação entre personalidade, religiosidade-espiritualidade e saúde/bem-estar.

2. Metodologia

A) Estudo quantitativo

Amostra: 463 sujeitos (69,3% mulheres e 30,7% homens) entre 18 e 76 anos de idade (M = 24,30; dp = 8,60), divididos em quatro grupos: 307 universitários; 53 sujeitos oriundos da população geral; 51 católicos praticantes; 52 peregrinos no Caminho de Santiago de Compostela, que afirmaram motivação religiosa e/ou espiritual para peregrinar. A maioria afirmou educação cristã e 78% declararam nível de escolaridade superior ou superior incompleto.












Tabela 1: Dados demográficos: Sexo (Amostra total e por grupos)
Grupo Sexo
Total Feminino % Masculino % Total %
Universitários 307 235 76.5 72 23.5 100.0%
Grupo P 53 28 53.4 25 46.6 100.0%
Paroquianos 51 34 66.7 17 33.3 100.0%
Peregrinos 52 24 46.2 28 53.8 100.0%
N válido 463 321 - 142 - -
Total % 100% 69.3% - 30.7% 100.0%


Tabela 2: Dados demográficos: Idade
(Amostra total: N = 463)
Amostra Total
Média Desv p Mín Máx
Idade 24.30 8.60 18 76

Variáveis e instrumentos de coleta e mensuração dos dados:
a) Variáveis Demográficas: Ficha de Identificação
b) Medidas de Personalidade: NEO-PI-R (Cinco Grandes Fatores de Personalidad Revisionado: Costa e McCrae, 1999); TCI (Inventario de Temperamento y Carácter. Cloninger et al., 1993).
c) Medidas de Saúde/bem-estar: GHQ-28 (Questionario de Salud General de Goldberg: Goldberg e Williams, 1996); PANAS (Escalas de Afecto Positivo y Negativo: Watson, Clark e Tellegen, 1988); Questionario de Satisfacción con la Vida (Diener, Emmons, Larsen e Griffin, 1985).
d) Medidas de Espiritualidade: Escala de Trascendencia Espiritual: Universalidad, Realización en la oración, Conexión (Piedmont, 1999); Afiliación Religiosa, Prácticas religiosa-espirituales, Sentido en la vida y Metas; Auto-evaluación (muy religioso/muy espiritual), Coping religioso-espiritual (Fetzer Institute, 1999);
Escala de Madurez de Fe (Benson, Donahue e Erickson, 1993).
Programa de Análise dos Dados: SPSS para Windows 11.0 (1999).

B) Estudo Qualitativo
Amostra: 29 peregrinos (62% oriundos das Américas e 38% da Europa) no Caminho de Santiago de Compostela (62,07% mujeres y 37,93% varones) selecionados aleatoriamente dentre 52 peregrinos entrevistados, entre 18 e 59 anos de idade (M = 32,7), que declararam educação cristã; 79,30% afirmaram ter nível de escolaridade superior ou superior incompleto.








Tabela 3: Peregrinos: Nacionalidade e Sexo
Nacionalidade Freq Feminino Masculino
Alemã 1 1 -
Brasileira 14 7 7
Espanhola 10 6 4
Chilena 1 1 -
Mexicana 1 1 -
Norte-americana 2 2 -
Total 29 18 11
Percentual 100% 62,07% 37,93%


Categorias de Análise e Instrumento de Coleta de Dados: entrevista em profundidade e questionário, onde se perguntava sobre a vivência da peregrinação, a motivação para peregrinar, a definição de religiosidade e espiritualidade e a descrição de uma
experiência espiritual vivenciada antes e/ou durante o Caminho de Santiago.
Programa de Análise dos Dados: AQUAD 05 para Windows (2001).

3. Resultados

As análises das diferentes escalas de medida dos indicadores do fenômeno religioso-espiriritual indicaram a existência de dois fatores, Religiosidade e Espiritualidade, que resultaram constructos distintos, porém, interrelacionados.
O primeiro fator corresponderia à crença em Deus e nos dogmas, princípios essenciais orientadores do sentido da vida, rituais e normas estabelecidos por uma religião, e participação coletiva no contexto de uma instituição religiosa. O segundo fator
significaria encontro consigo mesmo (Self) e com Deus, busca de sentido, essência
do ser humano que se refletiria em virtudes e melhores propósitos, conseqüência
de um processo de auto-conhecimento, individuação e evolução que envolve a consciência de unidade e interconexão, a transformação e a transcendência
do ego (Tabela 4).










Tabela 4: Amostra total: Análise Fatorial das Sub-escalas ETE
_________________________________________________________________________
Item Fator
Relig Espirit
________________________________________________________________________________________
46: Relación c/ Dios y sentido a los altos e bajos en la vida (Sent y Met l .966
52: Propósito en la vida y creencia en la voluntad de Dios (Sent y Met l) .905
44: Misión en la vida y fe en Dios (Sent y Met 1) .903
55: Considerar a Dios en las escojas del camino en la vida (Sent y Met l) .895
35: Sensación real de ser guiado por Dios (Maturid Fe v) .891
66: Percepción de ser muy religioso (Auto-evaluación) .883
53: Base religiosa y sentido en la vida (Sent y Met l) .877
47: Hacer parte del plan divino y sentido en la vida (Sent y Met l) .876
38: Metas en la vida como consecuencia de la noción de Dios (Sent y Met l) .864
42: Contacto con Dios y existencia de propósito y sentido de vida (Sent y Met l) .852
41: Creencias religiosas y propósito en situaciones dolorosas y confusas (Sent y Met l) .848
29: Presencia de Dios en la relación con las personas (Maturid Fe h) .814
33: Vida comprometida con la compreensión personal de Dios (Maturid Fe v) .762
61: Dios como fuerza, apoyo y guia o el Universo como fuerza positiva (Coping posit) .740
39: Ausencia de espiritualidad y menos sentido en la vida diaria (Sent y Met l) .709
15: No creer en la muerte como portal para otro plano de existencia (Universal) -.705
50: Existencia de algo más allá y sentido en la vida (Sent y Met l) .694
43: Vida espiritual proporcionando propósito y significado (Sent y Met l) .689
37: Espiritualidad y sentido a la alegría y dolor (Sent y Met l) .678
16: No creencia en la existencia de un plano más amplio para la vida (Universal) -.659
14: Fuerza y/o paz en las oraciones y/o meditaciones (Realiz orac) .655
45: Dimensión espiritual y propósito en la vida (Sent y Met l) .651
02: Meditar y/o orar para llegar a una consciencia espiritual más alta (Realiz orac) .644
60: Trabajar junto con el Universo (Coping posit) .643
57: Circunstancias en la vida como consecuencia de un plan espiritual (Sent y Met l) .638
54: Sentimientos espirituales y sentido en las circunstancias (Sent y Met l) .637 .305
59: Pensar la propia vida como parte de una fuerza espiritual (Coping posit) .617 .322
51: Perspectiva espiritual de los eventos confusos o dolorosos y sentido (Sent y Met l) .586 .332
49: Esfuerzo en cumplir los propósitos espirituales (Sent y Met l) .578 .344
25: Ayudar a los demás en las cuestiones y dificultades religiosas (Madurez Fe h) .573
56: Espiritualidad y definiciones de las metas en la vida (Sent y Met l) .556 .380
32: Aplicación de la fe a temas políticos y sociales (Madurez Fe h) .554
34: Hablar con los demás sobre la própia fe (Madurez Fe v) .536
19: No obtener gratificación/bienaventuranza en la oración y/o meditación (Realiz orac) -.532















36: Comoverse con la belleza de la Creación (Madurez Fe v) .514 .307
13: No creer en un sentido superior para la vida (Universal) -.514
65: Religión/espiritualidad para compreender y enfrentar el “stress” (Coping general) .506 .311
17: Detalles de la vida como distracción de las oraciones y/o meditaciones (Realiz orac) .489
64: Esfuerzo en ver la situación y decidir actuar sin contar con Dios (Coping neg) -.469
62: Sentir que Dios castiga por los pecados o falta de espiritualidad (Coping neg) .463
63: Preguntase si Dios lo ha abandonado (Coping neg) .317
26: Buscar oportunidad para crecer espiritualmente (Madurez Fe v) .453 .432
18: Estar absorto para los eventos del mundo, al orar o meditar (Realiz orac) .419
05: Toda la vida esta interconectada (Universal) .639
27: Responsabilidad por disminuir el dolor y el sufrimiento del mundo (Madurez Fe h) .635
11: Sentirse vinculado a toda humanidad (Universal) .584
23: Orden en el universo que trasciende el entendimiento humano (Universal) .561
24: Creer que la própia vida esta interconectada con el género humano (Universal) .558
04: Sentir que todos comparten un vínculo comun (Universal) .537
40: Sentido y sentimiento de conexión con la vida de los demás y las cosas (Sent y Met l) .521
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
06: Unión de todas las personas por un plano más alto de consciencia (Universal) .351 .500
31: Importancia de la disminuición de la pobreza en el própio país y en el mundo
(Madurez Fe h) .492
28: Donación de tiempo y dinero para ayudar a los demás (Madurez Fe h) .449
48: Importancia espiritual de los esfuerzos en la vida diaria (Sent y Met l) .400 .449
58: Sentir que se tiene una misión en la vida (Sent y Met c) .446
30: Vida llena de sentido y propósito (Madurez Fe v) .429
67: Considerarse una persona muy espiritual (Auto-evaluación) .353 .428
08: Eslabón de la cadena familiar hereditaria, puente entre pasado y futuro (Conexión) .361
10: Trascendencia de las emociones y experiencia de plenitud (Realiz orac) .322
22: Creer en la bondad básica de la humanidad (Madurez Fe h) .321
03: Haber vivido por lo menos una experiencia cumbre (Realiz orac) .310
01: Influencia en la vida ejercida por los recuerdos de personas muertas (Conexión)
21: Deseos del cuerpo e impedirse de orar y/o meditar (Realiz orac)
09: No importarse por las generaciones futuras (Conexión)
20: Experiencia espiritual y noción del tiempo y espacio (Realiz oración)
12: Vínculos com quien se ha muerto (Conexión)
07: Falta de importancia en retribuir favores y servicios recibidos (Conexión)
________________________________________________________________________________________
Método de extração: Fatorização do eixo principal; Método de rotação: Normalização Oblimin com Kaiser.
Valor próprio: Fator 1: 29,93; Fator 2: 2,62 / 48,59% da variância total explicada.















Matriz de correlações entre os fatores
_______________________________________________
Fator Religiosid Espiritualid
(Fator 1) (Fator 2)
Religiosid (Fator 1) 1.000 .532
Espiritualid (Fator 2) .532 1.000
____________________________________________________
Método de extração: Fatorização do eixo principal.
Método de rotação: Normalização Oblimin com Kaiser.

Quando se tratou de realizar o segundo objetivo, foram confirmadas a diferença e a interação entre os dois consructos. A hipótese segundo a qual, as motivações religiosas e espirituais poderiam ajudar a definir religiosidade e espiritualidade foi confirmada também. O exame da polaridade entre os dois cosntructos levou à superação desse antagonismo, estabelecendo-se assim, uma diferenciação entre eles, mas também uma interação (Zinnbauer et al., 1999).
As experiências espirituais descritas pelos participantes do estudo qualitativo, auxiliaram a definir o fenômeno religioso-espiritual e a relação entre religiosidade e espiritualidade. Elas poderiam ser classificadas em dois tipos: à primeira modalidade corresponderiam as experiências religiosas e a segunda, englobaria as experiências próprias do misticismo natural (Wilber, 2000).
As primeiras estariam circunscritas em um marco religioso e portanto, interpretadas em linguagem religiosa, marcadas pela Presença de Deus ou por uma identificação com o arquétipo da síntese ou Self, simbolizado por Cristo (e.g., Leloup, 1999; Jung, 1997).
As segundas envolveriam uma identificação, unidade e conexão com o reino da natureza, com as coisas, e com o universo, a comunhão com Deus, e ainda o sentido da Presença.
Os dois tipos de experiências brindariam o indivíduo com intensa emoção e forte energia, elevando sua vitalidade, confiança e fé, o que pareceu influenciar positivamente o estado de saúde geral. Elas também seriam catalisadoras de profundas mudanças na personalidade e do desenvolvimento de qualidades superiores, as virtudes (Walsh e Vaugham, 1994).
O terceiro objetivo consistira em verificar a relação entre personalidade, o fenômeno religioso-espiritual e saúde/bem-estar. Os resultados obtidos através dos dois estudos realizados, permitiram o delineamento de algumas conclusões.
O estudo quantitativo demonstrou que os participantes mais religiosos e espirituais seriam também os mais amáveis, responsáveis, cooperadores e capazes de auto-transcendência (Tabelas 5 e 7). Além disso, esses sujeitos apresentaram menos traços








neuróticos (Tabelas 6 e 7).

Comparadas com as dimensões de temperamento, as dimensões de caráter se associaram mais estreitamente com Religiosidade e Espritualidade (Tabela 5).


Tabela 5: Religiosidade e Espiritualidade/
TCI: Dimensões de caráter: Amostra total (N = 411)
________________________________________________
Fator Fator
Religiosid Espiritualid

Auto-direção (stotal) .121* .221**
Cooperação (ctotal) .209** .349**
Auto-trascendência (sttotal) .537** .609**
_________________________________________________________________________
** A correlação é significativa a nível 0,01 (bilateral).
* A correlacção é significativa a nível 0,05 (bilateral).


Tabela 6: Religiosidade e Espiritualidade/
TCI: Dimensões de temperamento: Amostra total (N = 411)
________________________________________________________________
Fator Fator
Religiosid Espiritualid
Busca de Novidad (nstotal) -.106 .017
Evit de sofrim (hatotal) -.118* -.221**
Dep recomp (rdtotal) .166** .271**
Persistência (p) .153** .151**
_________________________________________________________________________________________
** A correlação é significativa a nível 0,01 (bilateral).
* A correlação é significativa a nível 0,05 (bilateral).
























Tabela 7: Religiosidade e Espiritualidade/NEO-PI-R
(Amostra total: N = 138)
________________________________________________________
Fator Fator
Religiosid Espiritualid
Traços Neuróticos N -.045 -.165
Amabilidade A .322** .469**
Responsabilidade C . .416** .269**
______________________________________________________________________
** A correlação é significativa a nível 0,01 (bilateral).
* A correlação é significativa a nível 0,05 (bilateral).



Os fatores Religiosidade e Espiritualidade se associaram com saúde geral e se relacionaram mais fortemente com os indicadores positivos de saúde (Tabela 8).



Tabela 8: Religiosidade e Espiritualidade/
Saúde e Bem-estar: Amostra total (N = 463)
_________________________________________________________

Fator Fator
Religiosid Espiritualid
Saúde Geral
(GHQ total) -.197** -.215**
Afet posit (PANAS) .118* .271**
Satisf c/ a vida .181** .212**
___________________________________________________________________
**. A correlação é significativa a nível 0,01 (bilateral).
*. A correlaçãoé significativa a nível 0,05 (bilateral).


Atividades religiosas e leitura de temas religioso-espirituais se associaram mais fortemente com saúde geral, afeto positivo e satisfação com a vida (Tabela 9).


















Tabela 9: Práticas religiosa-espirituais/saúde e bem-estar:
Amostra total (N = 410)
____________________________________________________________
GHQ (total) Afet Posit Satisf c/ a vida
Ativ. relig -.188** .181** .170**
Lit relig/espir -.204** .118* .143**
_____________________________________________________________
**. A correlação é significativa a nível 0,01 (bilateral).
*. A correlação é significativa a nível 0,05 (bilateral).


Relações foram estabelecidas entre sentido na vida e metas sagradas2, relação com Deus (maturidade de fé) e saúde geral, afeto positivo e satisfação com a vida (Tabela 10).



Tabela 10: Escalas de Religiosidade e Espiritualidade/
Saúde e bem-estar: Amostra total (N = 463)
______________________________________________________

GHQ (total) Afet posit Satisf c/ a vida
Sent/met
(Fetzer)
Sent/met l -.201** .139** .178**
Sent/met c -.181** .161** .225**

Mat de Fé v -.251** .223** .268**
___________________________________________________________
**. A correlação é significativa a nível 0,01 (bilateral). /
* A correlação é significativa a nível 0,05 (bilateral)


Foram realizadas análises de regressão para examinar os efeitos diretos de cada variável preditiva – dimenssões do TCI de Cloninger et al. (1993), dimensões do NEO-PI-R (Costa & McCrae, 1999), práticas religiosa-espirituais, escalas de religiosidade e espiritualidade, os fatores Religiosidade e Espiritualidade – sobre a saúde e o bem-estar.












As análises foram feitas para cada grupo de variáveis independentes introduzidas em bloco. Na primeira análise, as dimensões do TCI; na segunda, as dimensões do NEO-PI-R; as práticas religiosa-espirituais e os fatores Religiosidade e Espiritualidade, em terceiro, e por último as escalas de religiosidade e espiritualidade.

Os resultados mais significativos indicaram que:

a) de modo geral, as dimensões de personalidade se mostram melhores preditoras de saúde/bem-estar que os indicadores de religiosidade e espiritualidade;
b) o fator Espiritualidade apareceu como preditor de sintomas somáticos, depressão, disfunção social, saúde geral, afeto positivo e satisfação com a vida, enquanto avaliar-se como uma pessoa muito religiosa seria preditor negativo de afeto negativo e preditor positivo de satisfação com a vida;
c) dentre as práticas, leitura de temas religioso-espirituais ajudaría a evitar ansiedade e insônia e outras emoções negativas, enquanto atividades religiosas apareceram como preditoras de afeto positivo;
d) depois de traços neuróticos, uma positiva relação com Deus seria o preditor mais forte de saúde geral, aparecendo também associada com afeto positivo;
e) sentido na vida e metas sagradas apareceu como preditor mais forte de afeto positivo e satisfação com a vida;
f) depois de traços neuróticos, sentido na vida e metas sagradas seria o preditor mais forte de afeto negativo;
g) a dimensão transcendente apareceu como preditora de satisfação com a vida.

Por sua vez, a análise em profundidade revelou que motivação espiritual e experiência transcendente se associaram com vitalidade, confiança e fé, sentimento de paz, unidade e plenitude, que apareceram como um Bem que transcenderia a saúde e o bem-estar material (Levin, 1994; Boff, 2002 ).
Virtudes como otimismo e esperança, altruísmo e compaixão, frutos da experiência religiosa-espiritual catalisadora de transformações da personalidade, apontaram para a prevenção de muitos males, através do compromisso com a defesa da vida e com a erradicação do sofrimento em todos os níveis de existência.
O estudo quantitativo e o estudo qualitativo confirmaram a hipótese de Emmons (1999), segundo a qual relação com Deus, encontrar sentido na vida e orientar os esforços para atingir as metas religiosa-espirituais seriam relevantes para a saúde/bem-estar (Emmons, 1999).
Já o estudo qualitativo sugeriu que as metas espirituais e a experiência transcendente propiciariam força, vitalidade e confiança, principalmente para enfrentar as situações cruciais, como a doença, o sofrimento e a morte. Confiança e fé na possibilidade de superação de uma existência insatisfatória apareceram como base do perfeito bem-estar (Martín Velasco, 2002).
Vale ressaltar que através do uso da metodologia complementar, onde um estudo quantitativo se articulou com um enfoque compreensivo e global, ficaram evidentes os aspectos positivos e negativos da religiosidade e espiritualidade, e compreendida, integrada e superada a polaridade entre religiosidade e espiritualidade.







Além disso, foi possível compreender a variedade do fenômeno religioso-espiritual, visualizando suas diversas formas de expressão de acordo com os estágios do itinerário espiritual (e.g., Leloup, 1998; Wilber, 1988), e das etapas do desenvolvimento humano. Isso evita certos equívocos como por exemplo, reduzir a religiosidade ou a espiritualidade a algumas das suas manifestações, enfatizando ora seu aspecto saudável, prospectivo e positivo, ora sua corrente patológica, regressiva e negativa.
4. Discussão

Os resultados aqui encontrados poderiam servir de estímulo para outras investigações no campo da psicologia e religião.
Próximos estudos se fazem necessários por exemplo, para compreender melhor os mecanismos pelos quais o fenômeno religioso-espiritual influencia a saúde e o bem-estar.
Seria interessante focalizar de forma mais minuciosa, se e como religiosidade e espiritualidade engendram uma forma transcendente de bem-estar subjetivo, que a pesquisa em questão levantou enquanto possibilidade.
A experiência espiritual foi associada fortemente, no estudo qualitativo, com vigor, integridade, paz e plenitude. Este seria um frutífero campo a ser investigado, posto que a ciência psicológica tem comprovado que a resolução dos conflitos influencia positivamente a saúde geral e o bem-estar subjetivo. No entanto, poderia ser melhor investigado como a peculiaridade do fenômeno religioso-espiritual poderia gerar uma qualidade de vida melhor, a partir da transcendência das polaridades e limitações humanas.
Uma outra vertente para futuras investigações poderia ser ainda, o estudo do fenômeno religioso-espiritual junto aos jovens, população mais exposta hoje em dia, às crises de sentido (Griera i Llonch e Urgell i Plaza, 2002).
É recomendável que os conhecimentos produzidos através do diálogo entre a psicologia e as tradições espirituais sejam consideradas como parâmetros, nas investigações científicas. Dessa maneira, os investigadores tratariam por exemplo, de verificar até que ponto os dados empíricos se aproximam ou se distanciam desses mesmos parâmetros.
Na medida do possível, as variáveis intervenientes devem ser controladas e as características religiosa-espirituais dos participantes devem ser bem definidas, para que se possa escolher adequadamente, os instrumentos de medida, a estratégia para conduzir entrevistas, etc. O investigador, de posse dessas informações, deveria também conhecer







mais profundamente a tradição religiosa-espiritual dos participantes, pois disso dependerá ainda sua capacidade de traduzir os dados empíricos de modo mais fidedigno.
Não se pode esquecer que os participantes deste estudo (inclusive a investigadora) tinham educação cristã, a maioria católica, e que os intrumentos de medida de religiosidade-espiritualidade, como também os resultados, estão impregnados pela visão de mundo dessa tradição espiritual. Isso ficou altamente visível quando uma das metas espirituais dos peregrinos, o encontro consigo mesmo e com a divindade, foi traduzido num conceito de Self que correspondia a Cristo, aproximando-se da perspectiva de Jung (1997) sobre o simbolismo ocidental do Si-mesmo.
Coincidido em vários aspectos com os resultados do estudo quantitativo, é necessário avisar ainda que os resultados da análise em profundidade estariam em função das características dos protagonistas, escolhidos pela sua motivação religiosa e/ou espiritual para fazer um ritual religioso. Além de tudo, a vivência no itinerário espiritual facilitaria a quebra de defesas egóicas, propiciando as experiências espirituais, e ainda a abertura para falar sobre um tema tão íntimo e sagrado.
Portanto, os resultados desta investigação não seriam tão generalizáveis, mas nem por isso destituídos de valor, principalmente no que se refere à orientação de futuras pesquisas, da prática profissional no âmbito da saúde e educação, da experiência religiosa-espiritual daqueles que se lançam nessa sagrada aventura.