sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Sophia

Caros Amigos,
Adquirir consciência e ampliá-la é uma das tarefas mais difíceis para o Homem. Cada indivíduo que ousou caminhar nesta direção pagou um preço elevadíssimo. Entretanto há no Ser humano um potencial inato para o desenvolvimento da consciência e para uma compreenção mais ampla da realidade que o cerca. A psicologia Analítica define este potencial como o Processo de Individuação, que será melhor explicado posteriormente em outras postagens.
Por hora, gostaria que o amigo pensasse melhor sobre o custo elevado da ampliação da consciência a partir do Diálogo entre Sócrates e Glauco descrito por Platão no livro A República e que ficou conhecido como a Alegoria da Caverna.

O diálogo é entre Sócrates e Glauco, escrito por Platão…


Sócrates – Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoço acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.


Glauco – Estou vendo.
Sócrates – Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que o transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.
Glauco – Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.
Sócrates – Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e dos seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica de fronte?
Glauco – Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?
Sócrates – E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?
Glauco – Sem dúvida.
Sócrates – Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?
Glauco – É bem possível.
Sócrates – E se a parede do fundo da prisão provocasse eco, sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?
Glauco – Sim, por Zeus!
Sócrates – Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados.
Glauco – Assim terá de ser.
Sócrates – Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?
Glauco – Muito mais verdadeiras.
Sócrates – E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?
Glauco – Com toda a certeza.
Sócrates – E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?
Glauco – Não o conseguirá, pelo menos de início.
Sócrates – Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e a sua luz.
Glauco – Sem dúvida.
Sócrates – Por fim, suponho eu, será o Sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal como é.
Glauco – Necessariamente.
Sócrates – Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.
Glauco – É evidente que chegará a essa conclusão.
Sócrates – Ora, lembrando-se da sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que aí foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?
Glauco – Sim, com certeza, Sócrates.
Sócrates – E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples criado de charrua, a serviço de um pobre lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?
Glauco – Sou da tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.
Sócrates – Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?
Glauco – Por certo que sim.
Sócrates – E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que os seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se a alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?
Glauco – Sem nenhuma dúvida.


Bibliografia

PLATÃO. A República. (trad. Enrico Corvisieri) São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Col. Os Pensadores).
Postado por Evaldo Costa

Imago Dei

Caros amigos,
Certo dia um sábio Chinês conhecido por Lao Tsé escreveu estes pequenos versos na tentativa de descrever a origem de todas as coisas e de estabelecer um roteiro para todos aqueles que quisessem encontrar o caminho para a fonte criadora e organizadora de todo o Universo:

Verso 01 - O Tao

Lao Tsé

O caminho que pode ser seguido
Não é o Caminho Perfeito.
O nome que pode ser dito
não é o Nome eterno.
No principio está o que não tem nome.
O que tem nome é a Mãe de todas as coisas.
...
Tao Te King.

Misterioso é este caminho! Mais inacessível ainda é o ponto de chegada que equivale ao ponto de partida. Há algo mais misterioso e inacessível do que O Tao? ou do que Deus? ou do que o Si Mesmo? Como caminhar até Esta Meta? Postaremos outros textos, em breve, que irão clarificar melhor estas jornadas.

Postado por Evaldo Costa

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O Fio

Caros amigos,
Mas o que é esta Noite Escura? E por quê muitos que tentam atravessar esta noite a descrevem como um caminho difícil e cansativo? E o que esta Travessia tem a ver com a Psicologia Analítca, Jung, Sombra e O processo de Individuação? Gostaria que vocês pensassem sobre esta questão a partir de uma música de Zé Ramalho. Posteriormente postarei outros textos referentes a esta tão ditosa noite!

BEIRA MAR
Zé RAMALHO

Eu entendo a noite como um oceano
Que banha de sombras o mundo de sol
Aurora que luta por um arrebol
Em cores vibrantes e ar soberano
Um olho que mira nunca o engano
Durante o instante que vou contemplar
Além, muito além onde quero chegar
Caindo a noite me lançou no mundo
Além do limite do vale profundo
Que sempre começa na beira do mar
É na beira do mar
Olhe, por dentro das águas há quadros e sonhos
E coisas que sonham o mundo dos vivos
Há peixes milagrosos, insetos nocivos
Paisagens abertas, desertos medonhos
Léguas cansativas, caminhos tristonhos
Que fazem o homem se desenganar
Há peixes que lutam para se salvar
Daqueles que caçam em mar nebuloso
E outros que devoram com gênio assombroso
As vidas que caem na beira do mar
É na beira do mar
E até que a morte eu sinta chegando
Prossigo cantando, beijando o espaço
Além do cabelo que desembaraço
Invoco as águas a vir inundando
Pessoas e coisas que vão se arrastando
Do meu pensamento já podem lavar
Ah! no peixe de asas eu quero voar
Sair do oceano de tez poluída
Cantar um galope fechando a ferida
Que só cicatriza na beira do mar
É na beira do mar

Postado Por Evaldo Costa

O Fio

Caros amigos,
Este poema é para todos aqueles que não temem a caminhada! Para todos que, como João Da Cruz e Carl Jung, chegaram ao amanhecer ou a um outro nível de consciência, após suportarem caminhar pela Sombra durante as inúmeras Noites Escuras de suas vidas.

O CAMINHO

O caminho não é tão certo!
A travessia não é tão certa!
A noite é sempre deserta
E o dia quase não amanhece.

O caminho é incerto!
A noite é muito escura!
O frio é intenso
E o medo é um tormento.

O desespero é um lamento.
O grito é um gemido.
O caminho é de sofrimento
E a noite é sempre escura.

Agora é meia noite.
Só se vê escuridão,
Desespero e lamentos;
Tristeza e solidão.

O dia quase não amanhece,
Mas não é hora de dormir.
É hora de caminhar
Para um novo dia chegar.

Evaldo Costa

Postado Por Evaldo Costa em 23 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Imago Dei

Caros amigos,
Este espaço denominado de Imago Dei tem a finalidade de retratar as mais complexas e diversas formas que o Ser Humano, ao longo de sua história, utilizou e utiliza para descrever a manifestação do Divino e do Transcendente em sua alma. Neste espaço o caminheiro deste Labirinto irá encontrar textos de obras sagradas, entrevistas de grandes personalidades, obras literárias e letras de músicas que expressam as inúmeras possibilidades da revelação divina e da manifestação do numinoso na mente humana.
Para dar início a este espaço, trazemos o desabafo de um Índio! Observem a sabedoria deste Cacique e como suas idéias se assemelham ao pensamento franciscano. Mas esta, vejam bem, é somente uma das diversas formas de se tentar compreender a Relação do Homem com Deus.

A Carta do Índio

Em 1855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, enviou esta carta ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois de o Governo haver dado a entender que pretendia comprar o território ocupado por aqueles índios. Faz já mais de cento e cinquenta anos. Mas o desabafo do cacique tem uma incrível atualidade. A carta:
"Como podeis comprar ou vender o céu, a tepidez do chão? A idéia não tem sentido para nós.

Se não possuímos o frescor do ar ou o brilho da água, como podeis querer comprá-los? Qualquer parte desta terra é sagrada para meu povo. Qualquer folha de pinheiro, qualquer praia, a neblina dos bosques sombrios, o brilhante e zumbidor inseto, tudo é sagrado na memória e na experiência de meu povo. A seiva que percorre o interior das árvores leva em si as memórias do homem vermelho.

Os mortos do homem branco esquecem a terra de seu nascimento, quando vão pervagar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta terra maravilhosa, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs, os gamos, os cavalos a majestosa águia, todos nossos irmãos. Os picos rochosos, a fragrância dos bosques, a energia vital do pônei e do homem, tudo pertence a uma só família.

Assim, quando o grande chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossas terras, ele está pedindo muito de nós. O grande Chefe manda dizer que nos reservará um sítio onde possamos viver confortavelmente por nós mesmos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Se é assim, vamos considerar a sua proposta sobre a compra de nossa terra. Mas tal compra não será fácil, já que esta terra é sagrada para nós.

A límpida água que percorre os regatos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos ancestrais. Se vos vendermos a terra, tereis de lembrar a nossos filhos que ela é sagrada, e que qualquer reflexo espectral sobre a superfície dos lagos evoca eventos e fases da vida do meu povo. O marulhar das águas é a voz dos nossos ancestrais.

Os rios são nossos irmãos, eles nos saciam a sede. Levam as nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se vendermos nossa terra a vós, deveis vos lembrar e ensinar a nossas crianças que os rios são nossos irmãos, vossos irmãos também, e deveis a partir de então dispensar aos rios a mesma espécie de afeição que dispensais a um irmão.

Nós mesmos sabemos que o homem branco não entende nosso modo de ser. Para ele um pedaço de terra não se distingue de outro qualquer, pois é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo de que precisa. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, depois que a submete a si, que a conquista, ele vai embora, à procura de outro lugar. Deixa atrás de si a sepultura de seus pais e não se importa. A cova de seus pais é a herança de seus filhos, ele os esquece. Trata a sua mãe, a terra, e seus irmãos, o céu como coisas a serrem comprados ou roubados, como se fossem peles de carneiro ou brilhantes contas sem valor. Seu apetite vai exaurir a terra, deixando atrás de si só desertos. Isso eu não compreendo. Nosso modo de ser é completamente diferente do vosso. A visão de vossas cidades faz doer aos olhos do homem vermelho.

Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e como tal, nada possa compreender.

Nas cidades do homem branco não há um só lugar onde haja silêncio, paz. Um só lugar onde ouvir o farfalhar das folhas na primavera, o zunir das asas de um inseto. Talvez seja porque sou um selvagem e não possa compreender.

O barulho serve apenas para insultar os ouvidos. E que vida é essa onde o homem não pode ouvir o pio solitário da coruja ou o coaxar das rãs à margem dos charcos à noite? O índio prefere o suave sussurrar do vento esfrolando a superfície das águas do lago, ou a fragrância da brisa, purificada pela chuva do meio-dia ou aromatizada pelo perfume dos pinhos.

O ar é precioso para o homem vermelho, pois dele todos se alimentam. Os animais, as árvores, o homem, todos respiram o mesmo ar. O homem branco parece não se importar com o ar que respira. Como um cadáver em decomposição, ele é insensível ao mau cheiro. Mas se vos vendermos nossa terra, deveis vos lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar insufla seu espírito em todas as coisas que dele vivem. O ar que vossos avós inspiraram ao primeiro vagido foi o mesmo que lhes recebeu o último suspiro.

Se vendermos nossa terra a vós, deveis conservá-la à parte, como sagrada, como um lugar onde mesmo um homem branco possa ir sorver a brisa aromatizada pelas flores dos bosques.

Assim consideraremos vossa proposta de comprar nossa terra. Se nos decidirmos a aceitá-la, farei uma condição: O homem branco terá que tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.

Sou um selvagem e não compreendo de outro modo. Tenho visto milhares de búfalos a apodrecerem nas pradarias, deixados pelo homem branco que neles atira de um trem em movimento.

Sou um selvagem e não compreendo como o fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante que o búfalo, que nós caçamos apenas para nos mantermos vivos.

Que será dos homens sem os animais? Se todos os animais desaparecem, o homem morreria de solidão espiritual. Porque tudo isso pode cada vez mais afetar os homens. Tudo está encaminhado.

Deveis ensinar a vossos filhos que o chão onde pisam simboliza a as cinzas de nossos ancestrais. Para que eles respeitem a terra, ensinai a eles que ela é rica pela vida dos seres de todas as espécies. Ensinai a eles o que ensinamos aos nossos: Que a terra é a nossa mãe. Quando o homem cospe sobre a terra, está cuspindo sobre si mesmo. De uma coisa nós temos certeza: A terra não pertence ao homem branco; O homem branco é que pertence à terra. Disso nós temos certeza. Todas as coisas estão relacionadas como o sangue que une uma família. Tudo está associado. O que fere a terra fere também aos filhos da terra.

O homem não tece a teia da vida: É antes um dos seus fios. O que quer que faça a essa teia, faz a si próprio.

Mesmo o homem branco, a quem Deus acompanha e com quem conversa como um amigo, não pode fugir a esse destino comum. Talvez, apesar de tudo, sejamos todos irmãos.

Nós o veremos. De uma coisa sabemos, é que talvez o homem branco venha a descobrir um dia: Nosso Deus é o mesmo deus.

Podeis pensar hoje que somente vós o possuis, como desejais possuir a terra, mas não podeis. Ele é o Deus do homem e sua compaixão é igual tanto para o homem branco, quanto para o homem vermelho.

Esta terra é querida dele, e ofender a terra é insultar o seu criador. Os brancos também passarão talvez mais cedo do que todas as outras tribos. Contaminai a vossa cama, e vos sufocareis numa noite no meio de vossos próprios excrementos.

Mas no nosso parecer, brilhareis alto, iluminado pela força do Deus que vos trouxe a esta terra e por algum favor especial vos outorgou domínio sobre ela e sobre o homem vermelho. Este destino é um mistério para nós, pois não compreendemos como será no dia em que o último búfalo for dizimado, os cavalos selvagens domesticados, os secretos recantos das florestas invadidos pelo odor do suor de muitos homens e a visão das brilhantes colinas bloqueada por fios falantes.

Onde está o matagal? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. O fim do viver e o início do sobreviver."

(Postado por Evaldo Costa, psicólogo membro do LABIRINTO)

Sophia

Caros amigos,
Criamos também um espaço para a apresentação de textos filosóficos que irão enriquecer e estimular o desejo de todos que não se cansam de caminhar em direção a sabedoria e em busca da "Verdade".
Para dar início à essa jornada na seara filosófica vamos trazer um pouco de Platão que descreve (República) um diálogo entre Sócrates e Céfalo sobre a Velhice e a Personalidade de quem está vivenciando esta etapa da vida.
Esperamos que todos possam refletir um pouco mais sobre a vida e sobre suas personalidades!

--x--

... Céfalo, pai de Polemarco, também lá estava. Como não o via há muito tempo, pareceu-me bastante envelhecido. Estava sentado em uma espécie de poltrona e, porque acabava de celebrar um sacrifício doméstico, tinha ainda uma coroa na cabeça. Dispondo as cadeiras em circulo, sentamo-nos junto dele. Ao ver-nos, Céfalo saudou-nos e disse:
- Vens poucas vezes ao Pireu, Sócrates, e no entanto, dar-nos-ia muito prazer se mais vezes viesses. Pudesse eu deslocar-me facilmente, e poupar-te-ia o incômodo de vires até aqui; iria eu próprio ver-te à cidade. Se, de futuro, voltares cá mais a miúde, muito grato te ficarei, pois bem sabes que, à medida que os prazeres do corpo se esgotam, aumentam o interesse e o agrado no assistir a uma conversa inteligente. Não recuses o que te peço. Vem visitar-nos mais vezes, como a velhos amigos, e terás então a oportunidade de falar com estes jovens.
- Na verdade, Céfalo – disse eu, - agrada-me bem mais conversar com os velhos. Esses, como estão já no fim de uma carreira que, provavelmente, todos iremos percorrer, é de nossa curiosidade que tentemos averiguar junto deles se o caminho foi cômodo e fácil, ou áspero e difícil. E, já que estás agora na idade a que os poetas chamam de “o limiar da velhice”, gostaria muito de te ver falar sobre o que pensas a tal respeito. É uma idade difícil ou não?
- Dir-te-ei a sério tudo o que penso, Sócrates. Acontece muitas vezes encontrar-me com homens da minha idade, fato que justifica um antigo provérbio; quase todos restringem a conversa a lamentos e queixumes, recordam com saudade dos prazeres do amor, da comida, do vinho e de outras coisas da mesma natureza, que desfrutavam na juventude. Afligem-se como se estivessem privados aos maiores bens e pensam que eram felizes com a vida que levavam, ao passo que a que levam agora nem sequer pode ser chamada de vida. Queixam-se outros, amargamente, dos ultrajes a que a velhice os expõe, ante a gente mais nova, e persistem em atribuir a outrem todos os males, pois se ela fosse só a velhice, também eu e os demais anciãos sentiríamos os mesmos efeitos. Ora, tenho conhecido muitas pessoas de idade cujos sentimentos são bem diferentes; a este respeito, recordo até que, um dia, estando eu presente, perguntaram a Sófocles se a idade lhe permitia desfrutar ainda os prazeres do amor.
- Amigo, nem me fales nisso, - respondeu o tragediógrafo: - há já muito tempo que me libertei desse jugo feroz e imperativo.
Naquela altura, a resposta pareceu-me boa, e a idade não me fez mudar de opinião. A velhice apresentavasse-me como um estado de paz e de liberdade a respeito dos sentidos. Depois, quando a violência das paixões se modera e acalma, compreende-se perfeitamente o pensamento de Sófocles: vê-mo-nos livres de uma série incontrolável de furiosos tiranos. E, portanto, Sócrates, as lamentações dos velhos e seus problemas domésticos, há que atribuí-los, não à velhice, mas ao caráter de cada um. Se forem de costumes moderados e de gênio meigo e amável, suportarão melhor a velhice. Caso contrário, tanto a velhice como a juventude ser-lhes-ão igualmente difíceis.

Trecho extraído do clássico “A República”, de Platão.

(Postado por Evaldo Costa, psicólogo membro do LABIRINTO)

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O Fio

Caros Amigos,

A literatura traz ensinamentos e afetos que nos ajudam a caminhar no Labirinto da Vida e a encontrar verdades que nos ajudam a crescer e a encontrar um novo caminho para nossas jornadas evolutivas.
A partir de agora as postagens denominadas de "O Fio" trarão para os amigos do Labirinto um pouco da sabedoria expressa pela literatura. Não percam O Fio da meada ou a meada deste fio!
Para começar, um pouco de Luís Fernado Veríssimo...

Crônica da Loucura

Luís Fernando Veríssimo

O melhor da Terapia é ficar observando os meus colegas loucos. Existem dois tipos de loucos. O louco propriamente dito e o que cuida do louco: o analista, o terapeuta, o psicólogo e o psiquiatra. Sim, somente um louco pode se dispor a ouvir a loucura de seis ou sete outros loucos todos os dias, meses, anos. Se não era louco, ficou.
Durante quarenta anos, passei longe deles. Pronto, acabei diante de um louco, contando as minhas loucuras acumuladas. Confesso, como louco confesso, que estou adorando estar louco semanal.
O melhor da terapia é chegar antes, alguns minutos e ficar observando os meus colegas loucos na sala de espera. Onde faço a minha terapia é uma casa grande com oito loucos analistas. Portanto, a sala de espera sempre tem três ou quatro ali, ansiosos, pensando na loucura que vão dizer dali a pouco.
Ninguém olha para ninguém. O silêncio é uma loucura. E eu, como escritor, adoro observar pessoas, imaginar os nomes, a profissão, quantos filhos têm, se são rotarianos ou leoninos, corintianos ou palmeirenses.
Acho que todo escritor gosta desse brinquedo, no mínimo, criativo. E a sala de espera de um "consultório médico", como diz a atendente absolutamente normal (apenas uma pessoa normal lê tanto Paulo Coelho como ela), é um prato cheio para um louco escritor como eu. Senão, vejamos:
Na última quarta-feira, estávamos:
1. Eu
2. Um crioulinho muito bem vestido
3. Um senhor de uns cinqüenta anos e
4. Uma velha gorda

Comecei, é claro, imediatamente a imaginar qual seria o problema de cada um deles. Não foi difícil, porque eu já partia do princípio de que todos eram loucos, como eu. Senão, não estariam ali, tão cabisbaixos e ensimesmados.
O pretinho, por exemplo. Claro que a cor, num país racista como o nosso, deve ter contribuído muito para levá-lo até aquela poltrona de vime. Deve gostar de uma branca, e os pais dela não aprovam o namoro e não conseguiu entrar como sócio do "Harmonia do Samba"... Notei que o tênis estava um pouco velho. Problema de ascensão social, com certeza. O olhar dele era triste, cansado. Comecei a ficar com pena dele. Depois notei que ele trazia uma mala. Podia ser o corpo da namorada esquartejada lá dentro. Talvez apenas a cabeça. Devia ser um assassino, ou suicida, no mínimo. Podia ter também uma arma lá dentro. Podia ser perigoso. Afastei-me um pouco dele no sofá. Ele dava olhadas furtivas para dentro da mala assassina.
E o senhor de terno preto, gravata, meias e sapatos também pretos? Como ele estava sofrendo, coitado. Ele disfarçava, mas notei que tinha um pequeno tique no olho esquerdo. Corno, na certa. E manso. Corno manso sempre tem tiques. Já notaram? Observo as mãos. Roía as unhas. Insegurança total, medo de viver. Filho drogado? Bem provável. Como era infeliz esse meu personagem. Uma hora tirou o lenço e eu já estava esperando as lágrimas quando ele assoou o nariz violentamente, interrompendo o Paulo Coelho da outra. Faltava um botão na camisa. Claro, abandonado pela esposa. Devia morar num flat, pagar caro, devia ter dívidas astronômicas. Homossexual? Acho que não. Ninguém beijaria um homem com um bigode daqueles. Tingido.
Mas a melhor, a mais doida, era a louca gorda e baixinha. Que bunda imensa. Como sofria, meu Deus. Bastava olhar no rosto dela. Não devia fazer amor há mais de trinta anos. Será que se masturbaria? Será que era esse o problema dela? Uma velha masturbadora? Não! Tirou um terço da bolsa e começou a rezar. Meu Deus, o caso é mais grave do que eu pensava. Estava no quinto cigarro em dez minutos. Tensa. Coitada. O que deve ser dos filhos dela? Acho que os filhos não comem a macarronada dela há dezenas e dezenas de domingos. Tinha cara também de quem mentia para o analista. Minha mãe rezaria uma Salve-Rainha por ela, se a conhecesse. Acabou o meu tempo. Tenho que ir conversar com o meu psicanalista.
Conto para ele a minha "viagem" na sala de espera. Ele ri, ..... ri muito, o meu psicanalista, e diz:
- O Ditinho é o nosso office-boy.
- O de terno preto é representante de um laboratório multinacional de remédios lá no Ipiranga e passa aqui uma vez por mês com as novidades.
- E a gordinha é a Dona Dirce, a minha mãe.
- E você, não vai ter alta tão cedo..."

(Postado por Evaldo Costa, psicólogo membro do LABIRINTO)